na assembleia

Projeto que prevê alteração na Lei Kiss deve entrar em votação nesta terça

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data-filename="retriever" style="width: 100%;">Foto: Eduardo Ramos (arquivo/Diário)

Entrará na pauta da Assembleia Legislativa (AL), nesta terça-feira, às 15h, o Projeto de Lei Complementar (PLC) que faz alterações na Lei Complementar nº 14.376/2013, a chamada Lei Kiss, que prevê normas sobre segurança, prevenção e proteção contra incêndios nas edificações e áreas de risco de incêndio do Estado. A lei foi criada a partir do incêndio da boate Kiss.

O PLC foi apresentado pelo deputado estadual Paparico Bacchi (PL), mas não entrou na ordem do dia. A proposta prevê que técnicos industriais de nível médio possam elaborar e executar, dentro das suas atribuições, Planos de Prevenção e Combate a Incêndio (PPCI), o que, após a Lei Kiss, só é permitido por engenheiros e arquitetos que tenham formação específica.

A proposta tem gerado discussões sobre as responsabilidades técnicas de cada profissional e sobre os afrouxamentos da lei, que, ao longo de nove anos, passou por diversas mudanças.

Hoje, familiares de vítimas irão até a Assembleia para pedir que o deputado retire o projeto de forma definitiva.

VERSÕES
Paparico Bacchi garante que não haverá nenhuma flexibilização, apenas uma adequação que não coloca em risco grandes empresas e boates. Segundo ele, em todo o Brasil, os técnicos continuam fazendo PPCI e somente no Rio Grande do Sul.

- Estamos trabalhando para devolver aos técnicos industriais o trabalho que já era feito por eles. Ao longo dos últimos anos, eles emitiram laudos de PPCI com o consentimento do Crea (Conselho Regional de Engenharia e Arquitetura). Enquanto estavam (os técnicos industriais) embaixo do guarda-chuva do CREA, eles podiam fazer. Agora que possuem um conselho próprio, criado em 2018, não podem mais - destaca o deputado.

Para a vice-presidente do CREA, a professora e engenheira eletricista Nilza Zampieri, a discussão se tornou política e não técnica. Para ela, para ter atribuição é necessário ter formação:

- Não são todos os engenheiros e arquitetos que podem executar projetos de PPCI. São alguns que tiveram disciplinas específicas. Não estamos em disputa pelo mercado de trabalho, mas pela segurança. Eu sou engenheira, mas não tenho conhecimento, deveria fazer um curso, por isso não executo PPCI. Não é só emitir um papel, é todo um estudo aprofundado.

Segunda Nilza, algumas Anotação de Responsabilidade Técnica (ARTs) que foram assinadas por técnicos estão sendo anuladas pelo CREA por apresentarem problemas.

data-filename="retriever" style="width: 100%;">Foto: Marcelo Oliveira (arquivo/Diário)
Lei Kiss foi criada a partir do incêndio na boate santa-mariense, que matou 242 pessoas e deixou mais de 600 feridos

O presidente do Conselho Regional dos Técnicos Industriais, Ricardo Nerbas, destaca que os técnicos estão habilitados para fazer parte do PPCI, enquanto engenheiros e arquitetos fazem tudo. Conforme ele, determinados serviços, dentro da atribuição legal da profissão, podem ser feitos por técnicos.

- O que diz a Lei Kiss é que profissionais com ART podem fazer PPCI. A partir do momento que criamos nosso próprio conselho, não temos mais ART, e sim TRT (Termo de Responsabilidade Técnica). A questão é uma letra semântica, nada mais, porque nós sempre fizemos PPCI - acrescenta Nerbas.

Toda a edificação que não seja de uso residencial unifamiliar deve ter o PPCI. Desde 2016, existe a opção do Certificado de Licença do Corpo de Bombeiros (CLCB), via internet, que se aplica para edificações menores de 200 metros quadrados. Nesse caso, a Lei Kiss não exige a participação de um responsável técnico para a emissão do documento, desde que o proprietário atenda a resolução técnica com mais de 100 páginas.

- Se o proprietário leigo se considera apto a ler aquela legislação e ver se a sua edificação atende àquilo, ele mesmo pode emitir sua CLCB sem um responsável técnico. Porém, para alguns usos não é permitido fazer por esse sistema - explica a engenheira civil e de segurança do trabalho, especialista em projeto e execução de prevenção contra incêndio, Janaína Steckel Retore.

Para técnicos de nível médio, a atribuição é para fazer projetos de edificações até 80m², desde que não seja em condomínios.

O diretor jurídico da Associação dos Familiares de Vítimas e Sobreviventes da Tragédia de Santa Maria (AVTSM), Paulo Carvalho, diz que equipes multidisciplinares são importantes, porém cada um deve exercer sua função.

- Uma similaridade é quanto à medicina. Médicos, enfermeiros, técnicos, pesquisadores, todos são importantes. Todos são fundamentais na saúde da população. Quem dá a alta é o médico. É uma das funções dele. Não temo restrições a profissões, quanto mais pessoas trabalhando na área segurança contra incêndios melhor, porém cada qual nas suas funções - observa.  

Lei passou por diversas modificações desde 2013
A Lei Kiss Estadual foi aprovada em dezembro de 2013, 11 meses depois da tragédia na boate, por unanimidade na Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul. Ao longo do tempo, os prazos para adequação à lei foram expandidos, o tempo de validade dos alvarás foi ampliado de dois para cinco anos, penalidades para imóveis que pertencem ao Estado foram extintas e as inspeções de locais com risco médio e alto para incêndio passaram de um para dois anos.

O ex-deputado Adão Villaverde, engenheiro e professor universitário, que presidiu a comissão que atualizou e revisou a lei original de 1997, afirma que a Lei Kiss foi inovadora, já que a anterior só levava em conta a altura e a área das edificações. De acordo com ele, a nova legislação tinha como base quatro temas: a ocupação e uso do solo; a capacidade de lotação e rotas de fuga; o controle de fumaça; e a carga de incêndio.

- A nova lei trazia a ideia de justiça. A cobrança era feita conforme a necessidade para a segurança e prevenção. Não podia exigir o mesmo PPCI para uma fábrica de gelo e uma de fogos de artifício. Obviamente, o potencial para incêndio é menor e maior em cada um deles - explica o ex-deputado.

RIGOR
O ex-deputado ainda observa que a Lei Kiss era rigorosa quanto às inspeções e sanções, evitava o proibicionismo e a leniência, mas lamenta que ela foi descaracterizada ao longo dos anos. Ele ainda diz que o novo PLC, que deve ser votado nesta hoje, é a ponta de uma cadeia de desmonte da lei que começou ainda em 2014.

- A lei que temos hoje é quase igual a que tínhamos anteriormente. A lei anterior tinha o objetivo de proteger o patrimônio. A lei atual, queria proteger a vida - diz Villaverde

Ele também acredita que a proposta apresentada pelo deputado Paparico Bacchi faz parte de uma disputa de espaço de atuação profissional, e que há interesses que não são transparentes nas mudanças da lei nesses nove anos.

"A tragédia foi um marco, mas a legislação não tem o mesmo impacto", diz professor da USP
Walter Negrisolo, doutor em Tecnologia de Arquitetura, que teve como tese a Segurança Contra Incêndios na Arquitetura e é membro do Grupo de Fomento a Segurança Contra Incêndio da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, é categórico ao dizer que a tragédia da boate Kiss foi um marco. Porém a legislação não teve o mesmo impacto, e não tem a mesma importância.

- A lei tem uma abrangência maior do que deveria ter. Tentaram resolver tudo por meio de uma lei, o que é muito difícil de conseguir. A lei é quase uma colcha de retalhos. Tem uma intenção muito boa, mas, na construção, é difícil de ser regulamentada porque buscou uma abrangência muito grande. Todos os movimentos decorreram da tragédia, da mobilização dos familiares, e não da lei - opina Negrisolo.

Negrisolo esteve em Santa Maria em três ocasiões pós-incêndio na Kiss e estuda os impactos do caso desde 2013. A partir das visitas, fez uma pesquisa com sobreviventes e coleta de dados, que agora estão sendo tabulados. Os estudos em segurança contra incêndios no Brasil, segundo ele, começaram a partir de tragédias, citando o caso do Edifício Joelma, em São Paulo, em 1974. Ele acredita que o mesmo aconteceu com a tragédia de Santa Maria.

- O Rio Grande do Sul estava atrasado nesta questão, e houve uma evolução. Porém, ainda focamos muito em leis, normas e regulamentações, e esquecemos a área conceitual, os experimentos. Quem constrói uma norma, faz isso com base no seu conhecimento, só que o mundo está em movimento. Há materiais novos, experimentos novos. Normas servem mais como elemento de restrição do que de evolução - finaliza.

FORMAÇÃO
O pós-doutor em Segurança Contra Incêndios pela Universidade de Coimbra (Portugal) e professor da disciplina de Segurança Contra Incêndio em Edificações dos cursos de pós-graduação em Engenharia e Arquitetura da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), e que foram criadas a partir da Lei Kiss, Rogério Cattelan Antocheves de Lima, considera o Projeto de Lei Complementar como mais uma flexibilização. Para ele, cada profissional tem a sua formação e habilitação, e a formação do técnico é inferior a dos engenheiros e arquitetos.

- Cada um, dentro da sua formação, tem a sua importância. Na base curricular dos cursos já dá para perceber a diferença. Nos cursos técnicos são 800 horas de carga horária, no curso superior de engenharia civil são 3.600 horas. É uma grande diferença na segurança do cidadão - pondera.

Ele explica que, a partir da tragédia da Kiss, houve uma promoção e uma evolução nas normas de segurança contra incêndio, porém, a população vai deixando de dar importância para a segurança e a prevenção com o decorrer dos anos.

- A população, com o passar do tempo, vai esquecendo a dor. À medida que vai flexibilizando, automaticamente ou potencialmente, a segurança também pode sofrer flexibilizações, até que aconteça uma nova tragédia. Todas essas mudanças vão fragilizando a legislação - pontua Antocheves de Lima.

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